quarta-feira, setembro 10, 2008

Alfredo Marceneiro - Quadras Soltas»

Revisitar Marceneiro
Se fadista houve que, de modo absolutamente incontestável, marcou a história e a evolução do fado, ele foi Alfredo Duarte, marceneiro por profissão e Marceneiro de nome artístico. A sua longa carreira abrangeu praticamente todo o século XX e todas as diferentes fases por que o género passou, dos bailes de bairro, cafés de camareiras e retiros até às casas de fado e edições discográficas. A ele se devem algumas das mais clássicas e aclamadas composições do género embora ele não fosse compositor nem tivesse educação musical.
Marceneiro de profissão sempre teve uma especial predilecção pelo canto e representação, gosto que herdara de sua mãe. A sua voz fora já notada em algumas cegadas carnavalescas, típicas do início do século XX, em que participara. Nesse tempo os bailes abriam-se a todos aqueles que tivessem habilidade e gosto para cantar e a voz de Marceneiro começou aí a destacar-se, embora ele próprio não considerasse ter uma grande voz. Ao contrário dos fadistas de carreira, que se podiam dar ao luxo de encomendar letras especificamente para o seu repertório, estes amadores interpretavam versos que eram publicadas nas muitas revistas de fado existentes, dirigidas por nomes célebres como o cantor Carlos Harrington ou o letrista Linhares Barbosa.
Inicialmente por Alfredo Lulu pelo cuidado que colocava na sua aparência, só na década de 20 o fadista passaria a ser conhecido artisticamente como Marceneiro, numa altura em que a sua reputação já era assinalável no meio. Não se limitava aos bailes ou desgarradas; era também presença assídua dos célebres "cafés de camareiras" que, aliás, recordaria anos mais tarde numa das suas melhores criações, e numa das primeiras casas de fado, o Catorze do Rato, onde foi notado pelo poeta popular Manuel Soares, que lhe escreveu as suas primeiras letras.
Em 1924 que recebe o seu primeiro contrato profissional, actuando no Chiado Terrasse, pois até aí cantava para pagar o jantar, reflectindo a tradição fadista que levava os cantadores a actuar apenas uma ou duas noites por semana para não privarem os colegas de trabalho, e a interpretarem apenas o seu próprio repertório. Era uma época de verdadeiro amadorismo, em que os fadistas cantavam por gosto sem pensar na aclamação do público ou no cachet que receberiam no fim; é, aliás, desta época que datam as desgarradas e cantares ao desafio, nascidos das «guerras» amigáveis entre cantadores que definiam as suas qualidades e reputação. Só com a implantação das casas típicas de fado o panorama se começou a alterar e Marceneiro foi um dos que mais se popularizou graças a elas, chegando inclusive a ser convidado para cantar em revistas teatrais, onde se estreou em 1930.
Depois é história. A história daquele que foi indubitavelmente a maior figura de sempre do fado no masculino.
A Ovação reedita agora, na sua série «Colecção Fado», um dos seus disco mais marcantes «Quadras Soltas», álbum em que se pode escutar o imenso virtuosismo vocal, em fados como «O Pagem»; «Rainha Santa»; «Sinas»; «Cabaré»; «Remorso» ou «Quadras Soltas».
Disco de audição obrigatória, revela-se também um documento musical de inegável valor histórico para o fado em particular, para a música nacional em geral.

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