terça-feira, dezembro 23, 2008

José Jorge Letria - «Apetece-lhe Pessoa?»

Fernando Pessoa desde muito novo, depois da morte de seu pai e do seu irmão, começou a inventar heterónimos — «personas» imaginárias para povoar um teatro íntimo do eu. O menino de seis anos que trocava cartas com um correspondente fictício, mudou-se para Durban, África do Sul, surgindo um certo Alexander Search, invenção para quem Pessoa criou uma biografia, traçou o horóscopo e em cujo nome calmamente translúcido escreveu poesia e prosa em língua inglesa. Seguir-se-iam outras 72 personagens em busca de um autor.
Em 1905, regressou a Lisboa. De imediato abandonou a universidade e tornou-se autodidacta. Serviu como correspondente de comércio estrangeiro, traduzindo e compondo cartas em inglês e francês. De vez e quando, traduzia poemas estrangeiras. Essa existência marginal e autónoma vincula Pessoa a outros mestres da modernidade urbana, como James Joyce, Ítalo Svevo e, de certo modo, Franz Kafka.
Até 1909, a poesia imputada a Alexander Search permanece em inglês, à expceção de seis sonetos portugueses. O ano de 1912 marcou uma reviravolta. Pessoa envolveu-se nos incontáveis círculos, conventículos e publicações efémeras de cunho lítero-estético-político-moral que surgiram da crescente crise social portuguesa. Surge assim Alberto Caeiro. Mas Caeiro não saltara à existência sozinho. Viera acompanhado de dois discípulos principais. Um era Ricardo Reis, o outro Álvaro de Campos. Cada uma tem sua própria biografia e físico detalhados. Caeiro é loiro, pálido e de olhos azuis; Reis é de um vago moreno mate; e Campos, entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo, como nos diz Pessoa.
O inter-relacionamento dos três, seja na atitude ou no estilo literário, é de uma densidade e subtileza jamesianas, a exemplo de seus vários laços de parentesco com o próprio Pessoa. O Caeiro em Pessoa faz poesia por pura e inesperada inspiração. A obra de Ricardo Reis é fruto de uma deliberação abstracta, quase analítica. As afinidades com Campos são as mais nebulosas e intricadas.
É todo este labirinto de poetas-personagens que José Jorge Letria, nos devolve nesta homenagem intitulada «Apetece-lhe Pessoa», editado pela Ovação. Nele José Jorge Letria, escritor e jornalista, um dos mais destacados cantautores de antes e depois do 25 de Abril, com mais de uma centena de títulos publicados, oferece-nos uma das mais belas homenagens à palavra de Pessoa, num ano que se comemoram 120 anos do seu nascimento. Neste registo podem-se escutar 16 poemas de Fernando Pessoa, 7 de Alberto Caeiro, 5 de Ricardo Reis, 9 de Álvaro de Campos e dois fragmentos extraídos de «O Livro do Desassossego» de Bernardo Soares.
Um disco de eleição, de um poeta de excepção, declamado por um dos mais prestigiados nomes da cultura nacional, José Jorge Letria.

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